quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A voz do dono e o dono da voz

A linha tênue entre “o-que-se-diz” e o “como-se-diz” na música brasileira


“Eu não componho, minha criação é na hora de interpretar”, revela Maria Bethânia. Utilizando como mote as palavras de uma das maiores intérpretes do Brasil, surge uma discussão bem interessante de ser colocada em pauta: até que ponto um compositor possui controle acerca daquilo que cria?
Segundo o poeta Waly Salomão, um leitor - neste caso um ouvinte – “é querido e livre, e pode ler (ou ouvir) assim ou assado”. Nesse sentido, pressupõe-se que o intérprete é co-autor daquilo que interpreta. Um cantor, por exemplo, imprime sua assinatura e suas verdades sobre a obra na qual se debruça – principalmente porque escolheu aqueles versos e notas como uma ferramenta de auto-tradução. “Aquilo que eu digo em uma música pode ganhar dezenas de outras conotações, dependendo de quem a interpreta. E eu me divirto com isso”, comenta Maria Lídia, compositora de grande expressão local.
Já Marina Lima, autora de grandes canções em parceria com o irmão, o filósofo Antonio Cícero, vê de outra forma. Seu trabalho partiu da vontade de expressar com palavras próprias sua visão de mundo. “Quando você fala através da boca de outra pessoa, não tem compromisso com a imagem que faz de si próprio”, explica. No caso do trabalho que reflete demais seu autor, outra interpretação pode torná-lo vazio. Adriana Calcanhotto, apesar de negar que seu trabalho seja existencialista, confessa que suas canções acabam comentando-a, de algum jeito: “Não que eu tenha vontade ou necessidade de fazer um trabalho confessional. Mas elas acabam virando um instantâneo de um momento meu”.
Nesta discussão não importa quem está certo ou errado. Já disse Chico Buarque, “músicas são filhos postos no mundo”, livres para despertar quaisquer sentimentos em quem quer que as ouça. Assim, elas permitem que sejamos seus compositores e intérpretes, fazendo de suas verdades as nossas. É como cantou Milton Nascimento: “Certas canções que ouço / Cabem tão dentro de mim / Que perguntar carece: / como não fui eu que fiz?".

Por Arthur Nogueira( http://arthurnogueira.blogspot.com/)
Tyara de La-Rocque

4 comentários:

Anônimo disse...

oooolha, ela voltou

adorei o texto e os resultados da oficina de jornalismo cultural. prossigam no ramo (precisamos)

beijo

Camila Barbalho disse...

Ah, eu também gostei muito desse teu texto... Muito inteligente...

=P
=D

Beijo, Tyka!

Estuda, Doido! disse...

Olha! Finalmente consegui entrar nesse teu blog. Essa página nunca carregava aqui em casa.
Muito bom esse texto! Adorei! E me identifiquei muito principalmente com as falas da Adriana Calcanhoto e do Milton.
E até diria mais, eu geralmente quando vejo algo que é tão "meu" eu digo "essa pessoa falava de mim esse tempo todo e eu nunca a conheci!". Aconteceu quando eu comecei a ler a Clarice Lispector e a Florbela Espanca.

Beijos Tyara Maria.
De teu admirador secreto.

Eric

*Muito secreto né?

Camila Barbalho disse...

Pô, Tyka!

(Potica. Parece uma palavra só, né?)

Atualiza, né filha?!
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